sábado, 9 de julho de 2016

As lembranças de "As armas secretas"


Um dia abri o Facebook e tinha um post de uma amiga se desfazendo de uns livros. Na lista, muitos títulos que estavam na minha lista de desejos. Entre eles, As Armas Secretas, livro que li na época da faculdade, xerocado ou emprestado da biblioteca. Quando pensei que poderia ter "aquela" edição, e não novas, pedi na hora.

Não é todo mundo que entende isso, mas eu sou apaixonada por livros - e não apenas pelo seu conteúdo. Sou apaixonada pelo objeto que eles são, pela memória que me trazem, pela história que contam. E "aquela"edição - que agora é minha, obrigada, Cris! - me trazia uma memória muito bonita, de um tempo muito feliz e importante para a minha vida.

Até que eu o abri para reler. Antes mesmo de começar, já me peguei emocionada por uma memória. Na primeira página do livro, a marca em relevo da Livraria Belas Artes, aquele lugar lindo que não existe mais do lado do cinema, onde passei tantas horas, onde gastei tanta conversa. Não é um carimbo, é um relevo, de que meus dedos sentiam saudade sem saber, porque fazia tempo que eu não abria um livro comprado lá.

Depois, foi a vez da orelha do Davi Arrigucci Jr, o primeiro texto dele que li na vida, e que me fez comprar alguns livros que ele escreveu, cujas ideias de certa forma me ajudaram a moldar a maneira como entendo literatura. Eu já sabia o que estava escrito ali, mas eu reli. Até que o texto chegou na metade, eu tive de ir para a última página, para terminar de ler a orelha. E aí, um detalhe de que eu não me lembrava roubou minha atenção:


Entre outras efemérides, lá estavam: "ANO DA XIII BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO", centenário da morte de Robert Louis Stevenson, cinqüentenário do lançamento de O pequeno príncipe, 62º aniversário desta Casa de livros, fundada em 29.11.1931.

Cuidados, delicadezas e lembranças cada vez mais raras de serem vistas.

Pouco mais de vinte anos que me lembram que sim, tudo são coisas do século passado. E eu nem comecei a ler o livro.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Recomeço


"Minha liberdade é escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo" - Clarice Lispector, in A Descoberta do Mundo, p. 101

- O que você vai ser quando crescer?
- Escritora

O tempo passou, virei jornalista, parei de escrever poesia, criei um blog, larguei.

Mas não posso largar.

Vou começar de novo, diariamente. Até me tornar o sonho que quis ser.

Volto hoje, dia de dor, de medo, de insegurança. Dor na boca pelo aparelho, dor na alma pelo medo de perder um cliente.

E sigo, com dor mesmo, olhando a parede-lousa do meu escritório, com a citação de Clarice debaixo da frase que aprendi num desses aplicativos de meditação que venho usando:

REMEMBER BLUE SKY

No canto, os ganchos onde penduro roupas pedem: +CORAGEM

Uma hora, as nuvens se dissipam.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Poeira de estrela

Hoje, quando o Darcio foi me acordar de manhã, além do beijo de bom dia, ele me disse, à queima-roupa:

- Uma notícia triste: David Bowie morreu.

Fiquei chocada na hora.

Não porque eu fosse a maior fã de Bowie, mas porque era uma fã, sim. Porque eu, o Darcio e a Gabi vivíamos falando que se ele voltasse a fazer show, mas não viesse ao Brasil, iríamos correr o mundo atrás dele, para vê-lo, ouvi-lo.

Agora não vamos mais.

Conheci Bowie tardiamente, lá pelos 17 ou 18. Foi o Darcio quem me apresentou à obra do camaleão. Logo, ouvi "Heroes". Logo, aquela se tornou uma das músicas mais lindas e importantes da minha vida. E quanto mais velha fico, mais eu gosto de Bowie. Porque ele é muito à frente do tempo dele. Do meu tempo. Ele é genial. E, como disse a Lu, é uma honra ser contemporânea de um gênio.

Sexta-feira, apenas três dias atrás, no dia em que completou 69 anos, ele lançava BlackStar. Nem tive tempo de ouvir ainda. Mas li uma crítica, na sexta mesmo, dizendo que era um disco que parecia ser um renascimento, uma nova fase, em que Bowie convocava os fãs a entenderem que sua arte era possível sem sua presença física; que aquele disco era o começo de uma nova fase para Bowie, que ele estava novamente mirando um futuro ainda distante para nós, que ele estava criando, de novo, algo muito novo.  O autor do texto se referia à sonoridade inovadora do álbum, ao fato de sua presença pública ser cada vez mais rara; e de ele não fazer mais shows.

Hoje soubemos que BlackStar era, para além disso, um aviso de morte. Como foi o acústico do Nirvana em que Kurt Cobain cantou "The Man Who Sold The World". Mas ao contrário do jovem músico, Bowie preferiu se despedir com a elegância que lhe era peculiar: sofrendo recluso, sem se expôr no mundo escancarado e sem privacidade das redes sociais. Continuou, até o fim da vida, fiel a ideais que o deixavam livre para criticar o que não concordava, cantando, dignamente, Fame, (fame) puts you there where things are hollow.

Porque a questão, para Bowie, não era fama. A questão era e, ainda é, arte. E é por isso que seu legado é eterno. He'd really made the grade. E é por isso que as estrelas vão estar diferentes hoje à noite.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Precisamos falar sobre a Coreia do Norte

A Coreia do Norte é um lugar muito, muito distante. Mas ao contrário de Tatooine ou Jakku, é um lugar real, onde vive parte dos 7 bilhões de pessoas da mesma espécie que eu. Então, sempre tive a sensação de que eu deveria conhecer a Coreia do Norte.

Mas pouco se fala sobre esse lugar. Quando era pequena, conheci as Malvinas, Irã, Iraque, Irlanda do Norte e muitos outros lugares por causa de notícias sobre guerra. Pré-adolescente, conheci Cuba por causa de sua ditadura. Mas nunca, nunca, vi reportagens suficientes sobre a Coreia do Norte para que entendesse e conhecesse mais aquele lugar. Ouvi o pai de Kevin Arnold falar sobre a Guerra da Coreia, mas pouco além disso.

Já adulta, entendi as razões pelas quais não tinha acesso a informações sobre a Coreia do Norte: sua ditadura, seu isolamento comercial, as implicações geográficas, econômicas, políticas e estratégicas de falar sobre esse lugar.

A mídia, em geral, quando fala da Coreia do Norte, fala de uma maneira jocosa, em tom de piada. Diz que o povo norte-coreano acredita que o hambúrguer foi inventado por Kim-Jong-Il; noticia que a Disney notificou Kim-Jong-un pela utilização pirata da imagem de Mickey Mouse; que o ditador declarou ter feito testes com a bomba H, mas que os analistas especializados duvidam.

E eu pergunto: e daí? O que isso quer dizer? Que tipo de conhecimento isso agrega? A Coreia do Norte é um país fechado por sua ditadura, e por isso temos poucas informações a respeito. Quase nada vaza (ou será que não é interessante para a grande mídia fazer um esforço para vazar e divulgar informações?). E, quanto mais mistério, mais eu fico intrigada.

Até que hoje, me deparei com esse vídeo:


Nele, a garota diz, emocionada, que a primeira coisa que devemos fazer para tentar ajudar é educar-se para aumentar a conscientização sobre a crise dos direitos humanos na Coreia do Norte. Eu ainda não sei nada a respeito. Mas estou incomodada o suficiente para ter uma certeza: Precisamos falar sobre a Coreia do Norte.




quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Uma década de tradição de Natal


Na minha família, não temos muitas tradições, objetos passados de mãe para filha, coisas que tenham história e raiz. Mas tem uma coisa que dá orgulho: o Natal.

Natal, normalmente, pelo que me dizem, é uma festa "obrigatória" de família; um momento em que as pessoas "precisam" ou "devem" ficar junto dos seus. Nas redes sociais, pipocam piadinhas de que Natal é tempo de desejar o melhor para gente que mal falou com você durante o ano todo; época de responder a perguntas indesejadas de parentes ausentes.

Na minha família, não é assim. A gente espera pelo Natal, a gente gosta de se reunir, de fazer farra, de cozinhar muito, de comer crústole (uma receita que passou da minha avó para minhas tias e que na nossa família só se come no Natal), de lavar muita louça, de cantar, de rezar ao redor da ceia, de receber os amigos queridos, de acolher os "desgarrados" sem festa, de jogar vídeogame, de ver fotos antigas, de receber o Papai Noel.

O Natal na minha família é tempo de abraços sinceros, risadas desbragadas, lágrimas emocionadas, orações, música e muita, muita gente junta. Mas, estranhamente, nunca pensei nisso como uma tradição.

Para mim, a verdadeira e singular tradição do Natal na minha família nasceu em 2004. Naquele ano - meu avô já havia morrido e não viveu para ver - minha tia Nori deu de presente para cada família um pequeno anjo de resina transparente para pendurar na árvore de Natal. Todas as árvores teriam aquele anjo igual dali em diante.

Não sei como, a ideia pegou. Em 2005, todo mundo apareceu na festa de natal com um presente para a árvore das famílias. Eu, que já era casada, tenho a sorte de ter todos os presentes, desde o primeiro, na minha árvore. Neste ano, a Gabi, que foi morar sozinha, distribuiu pela primeira vez o enfeite dela para as famílias. E foi lindo ver tudo se multiplicar mais uma vez.

Atualmente, como minha árvore de Natal é pequena - porque o apartamento é pequeno - só tenho esses enfeites nela. Bolinhas normais já foram abolidas.

Então, todos os anos, quando montamos a árvore de Natal, eu e o Darcio fazemos disso um ritual. Sentamos com calma, enfeitamos com carinho cada galho, lembrando da história de cada enfeite e de cada pessoa que nos presenteou com anjos, sininhos, nossas-senhoras, tamborzinhos, papais-noéis, bolinhas, estrelas, pinhas, mini-presépios e até um buda de tecido. Nesse momento, a gente pára para refletir o quanto somos felizes, e como é grande a nossa riqueza. É o momento do ano em que nos lembramos de cada pessoa que está ao nosso lado. Depois, com a árvore montada, rezamos. Em agradecimento ao ano que passou, para pedir por nós e por cada pessoa, representada naqueles presentes, para o ano que virá.

*A foto é da árvore aqui de casa, já com os enfeites recebidos neste ano.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Liberdade limitada não é liberdade

Adoraria começar o ano dizendo "Feliz 2015!". Mas hoje é dia 7 de janeiro e, parodiando uma velha música punk, "Paris is burning". Terroristas mataram 12 pessoas, entre elas, cartunistas do Charlie Hebdo.

Teoricamente, até onde eu entendo - porque eu NÃO consigo entender uma pessoa que mata a outra - essas pessoas foram mortas porque fizeram piada com a fé alheia. O que me deixa chocada é essa ânsia de calar o outro, metafórica e, neste caso, literalmente, apenas por discordar. Se você tem fé de verdade em uma coisa (uma pedra, um deus, um oráculo), você realmente acha que é relevante se alguém fizer uma piada sobre aquilo? Sua fé vai diminuir porque alguém fez uma piada a respeito? Se diminuir, é porque não é fé.

O patrulhamento ideológico esgarçado do "politicamente correto" sempre me irritou.  Não acho certo proibir o humorista X ou Y de chegar perto da celebridade A ou B porque ele fez uma piada sobre ela em seu programa. Se você se sentiu ofendido, busque seus direitos, a retratação pública, se for o caso. Mas proibir, manter afastado ou matar não creio que sejam saídas civilizadas.

Agora, a liberdade de expressão está posta em xeque mais uma vez. Censura é censura, desde o empastelamento de jornais de esquerda, como o Pasquim, até o assassinato das pessoas que trabalhavam no Charlie Hebdo.

E pior: vi gente dizendo "bem feito" para os cartunistas que perderam a vida. Vi gente dizendo: "está errado, mas os cartunistas procuraram sarna para se coçar quando publicaram a charge". Nesse caso, penso eu, não há espaço para "MAS". Não há adversativa possível no terreno da intolerância, do radicalismo. Intolerância e radicalismo  são a porta de entrada para o terror.

E, hoje, o terror ameaça gravemente a liberdade de expressão.

Atualização em 08/01/2015
Desde ontem, várias manifestações pelo mundo têm acontecido em solidariedade às vítimas da barbárie. O presidente francês pediu "unidade" à Nação. Acima de tudo, é preciso ter consciência de que não se pode entrar numa luta contra uma religião, um povo ou uma nacionalidade. Esse crime horrendo foi praticado por um grupo de pessoas, mas o grupo não representa o todo. Excluir e preconceituar também são ferramentas de um discurso de ódio. E, agora, tudo o que mais precisamos é amor.

domingo, 9 de novembro de 2014

As origens de uma escolha

Assisto na TV um programa sobre os 25 anos da queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Na minha memória, a queda aconteceu na faixa dos 14 anos - que completei em maio de 90. Tenho um especial carinho por esse assunto. Ele é a primeira razão que registro para que eu conscientemente escolhesse minha profissão.

Por razões quase pueris, eu acompanhava, dentro dos limites da minha pouca idade, muitos assuntos de política externa. Primeiro, a política de Thatcher, de quem ouvi falar pela primeira vez quando Diana se casou com Charles. Eu tinha cinco anos e achei impressionante que houvesse uma princesa de verdade, com um vestido tão lindo e imenso; e uma rainha de verdade, com coroa e manto. Depois, os recortes de jornal sobre o IRA, por causa das músicas do U2. Então, vieram a Perestroika, a Glasnost e a Queda do Muro.

Então, em 1989, eu vi Silio Boccanera e um jovem Pedro Bial cobrindo o que identifiquei  como realmente um momento histórico; um misto de festa e destruição.  Pela primeira vez, em frente à TV, eu sabia que aquilo era "como quando o homem pisou na Lua"; eu sentia ser contemporânea de um momento histórico.

E fiquei fascinada. Fascinada com a possibilidade de ter uma profissão que registrava a matéria-prima para o que seria História; fascinada com a ideia de estar ali tão profundamente ligada ao presente; fascinada com a ideia de ouvir histórias de pessoas que se tornariam os relatos da História; fascinada por ajudar a colocar um tijolo para construir o que permaneceria para sempre; e fascinada com o paradoxo de que, naquela ocasião em particular, "colocar o tijolo" era exatamente mostrar a destruição concreta e real de uma cicatriz que separava um país.

Para mim, na prática, o jornalismo não aconteceu de um jeito tão romântico, nem aventureiro, nem tão ingênuo assim. Desde cedo fui para a área corporativa, cuidar da comunicação que empresas precisam estabelecer com seus clientes, colaboradores, parceiros, fornecedores e com o mercado em geral. Gosto do que faço, gosto do meu trabalho cotidiano.

Mas sempre que penso ou vejo algo sobre a Queda do Muro de Berlim, me sinto de novo com 14 anos; me lembro com carinho e ânimo da beleza, do sonho e da aventura que me fizeram pensar, pela primeira vez, em fazer a escolha que fiz.